Comecei esse texto em 2012, mas por diversas razões fui adiando sua conclusão e modificando-o tão profundamente que era o mesmo que escrever algo completamente novo. Porém, a ideia central foi sempre a mesma: Escrever para mim mesmo trinta e cinco anos atrás, tentando me dar conselhos que certamente eu não ouviria.
E ai, André? Quanto tempo!
Você pode até não acreditar, mas você sou eu ontem, a trinta e cinco anos atrás.
Sei que pode parecer loucura, mas acredite, essa carta voltou no tempo pra te contar algumas coisas e te pedir outras.
Em 1977, eu tinha vinte anos, ou melhor você tem vinte anos. Vinte anos é uma idade mágica. Aos vinte, agimos como super heróis, imortais, invencíveis e intocáveis. Achamos que podemos tudo, que somos adultos e donos de nosso destino, desconhecemos limitações e afrontamos qualquer forma de autoridade, afinal de contas, nesta idade somos donos da verdade, temos a certeza mais idiota do mundo que sabemos de tudo. Contudo, ainda vivemos como adolescentes, com pouca ou nenhuma responsabilidade e convivemos com uma insegurança, que negamos ter. Vai por mim, cara. Nessa idade, estamos prontos para começar a aprender a viver. Nessa idade estamos aptos para fazer as escolhas erradas.
Não espere que quando você tiver minha idade fará tudo certo. Independentemente da idade que tivermos, continuaremos sendo humanos falhos, loucos para fazer a coisa certa. Mas, aprendemos a valorizar o erro como um aprendizado. Entendemos que errar é natural.
Hoje, aos 55 anos, me sinto, e você se sentirá, fazendo vestibular para a melhor idade. Com muitas responsabilidades, ponderando a maior parte de nossas atitudes. Com uma cabeça “ótima” mas com um corpo já cheio de limites, que insistimos em ignorar.
Juro por tudo que me bateu uma dúvida: Se nós somos um só, somos (quase) a mesma pessoa, separadas pelo tempo, devo falar de nós no singular ou no plural?
Somos quase o mesmo pois muitas das nossas certezas serão descartadas, mas, muito da nossa essência permanecerá.
Em 1977, gastávamos mais tempo nos divertindo que planejando o futuro e cuidando da saúde. E hoje, 35 anos depois, eu sou prova viva que o nosso mundo não acabaria naquele instante. Hoje, passamos mais tempo tentando reverter os efeitos daquela época pra tentar ter um pouco mais de futuro.
Não se assuste com o que vou dizer, pois não é intenção minha causar-lhe receio das experiências de vida, mas, os dissabores, as decepções e os erros serão meu presente (ou seu futuro), quanto as alegrias e acertos. Eles serão o concreto mais forte para a edificação de nossa personalidade.
Vamos nos decepcionar com muitas pessoas, mas isso nos fará entender que este sentimento não está no outro, mas em nós mesmos, nas expectativas que geramos, naquilo que idealizamos e não no que recebemos.
Peço que dê mais atenção a nossa mãe, pois, nem as mães são para sempre. Passei mais com ela, viaje mais, vá, com ela, assistir mais shows, ela ama a Orquestra Sinfônica do Recife. Assista mais filmes com ela, mesmo sabendo que ela adora filme de ação e nós de humor. Isso deixará a parede de nossas lembranças mais decoradas e é a melhor maneira de lhe prestar uma homenagem.
Muitas pessoas passam por nossa vida, mas poucos ficam. Esses poucos são os amigos. Deixe o tempo filtrar quem deve ficar. Os amigos, os verdadeiros amigos, ficarão, apesar de nossa franqueza, as vezes rude.
Agora, não perca a oportunidade de dizer-lhes o quanto são importantes para nós. Pois, em dados momentos de nossa vida não estaremos tão próximos deles e mesmo assim eles precisarão de nós e nós deles. E quando se está mal, um dos melhores remédios é saber que alguém acredita e confia em nós e que faria de tudo para estarmos bem.
O tempo cuidará de nos afastar de quem gostamos. Mas, se encarregará de nos apresentar gente nova, com ideias novas, que nos fará refletir sobre nossos valores. E, novamente, nos afastará, seguindo um longo ciclo de chegadas e partidas. E essas idas e vindas te mostrará como é prazeroso o REver, REencontrar, REsgatar, REaproximar, REviver...
Olha, tenha cuidado com o nosso humor. Vamos magoar pessoas importantes para nós e isso nos deixará triste. Eles levarão muito tempo para entender que nosso humor é a maneira que temos de dizer nossa verdade e não era nossa intenção ferir ou magoar. A ironia muitas vezes é uma faca afiada.
Não vou te contar o que foi bom nem o que foi ruim nesses 35 anos que nos separam. Você terá que descobrir sozinho. Contudo, garanto que o caminho percorrido é o que me levou a te (me) procurar. Não sei se percorrendo outro caminho estaria mais ou menos feliz que estou (estamos) hoje. Mas com toda certeza sou (somos) feliz(es)… E isso é o que importa.
Obrigado por me transformar no que somos.
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